A Brincadeira do Ovo


A Brincadeira do Ovo
(Pela própria "coisa" que fazia essa brincadeira)

Cara!... Como eu gosto de lembrar da época em que eu pregava essa peça!... Eu nunca me esqueço do rosto daqueles pobres diabos, cheios de si, ostentando aqueles caríssimos óculos escuros pendurados naqueles narizes empinados, se achando mais espertos do que eu!!! E eu canto para todos os cantos do mundo, sem falsa modéstia: guardo cada um dos meus troféus com muito esmero! Cada um deles! Para quem quiser ver!

Eu usava a aparência de etnias marginalizadas pela sociedade onde quer que eu atuasse: fui cigano em Londres, latino em Nova York, palestino em Israel, nordestino em São Paulo! Eu enganava muito bem, só não conseguia disfarçar os cascos nos pés e os joelhos invertidos, então me fazia de aleijado, usando roupas simples, corcunda falsa e sotaque arrastado. Só mantinha uma higiene razoável, porque as pessoas tinham que querer chegar perto de mim.

Eu montava meu show no Centro, sempre em horários de grande movimento. As pessoas iam chegando sempre me olhando de cima para baixo, me julgando inferior. Aos poucos, a praça ficava tomada de gente! Vinham ver o meu truque do ovo e tentar me "desmascarar" mostrando para todo mundo que "não existe esse negócio de mágica!", afinal de contas, "se esse imigrante aleijado pode, eu também posso!"!!


E lá ia eu com meu ovinho! Um ovinho cru de galinha comum, que eu deixava todo mundo ver. Olhavam curiosos para tentar provar que o ovo que eu usava no truque não era o mesmo que eu mostrava! Tocavam, passavam a mão, desafiavam! Eles não acreditavam que aquele truque era legítimo!!

Talvez você já tenha parado em frente a uma multidão de meu show e visto a brincadeira do meu ovinho, mas em todos os casos, vou lhe contar como é (eu nunca disse que não gostava de me vangloriar): depois de mostrar o ovo para todo mundo, eu levantava ele sobre a cabeça e atirava com toda a força no chão! O ovo só não espatifava, como ele também parava com a parte mais estreita para baixo, perfeitamente equilibrado. Depois de um instante, ele começava a rodar sob o próprio eixo, como se fosse um peão e só parava depois que eu batia palmas!!

As pessoas ficavam admiradíssimas! Teve um tempo em que até me traziam ovos para provar que eu não os trocava. E te digo: a polícia nunca me parou! Nem uma única vez! Ficavam assistindo também, um pouco afastados, tentando adivinhar como eu fazia!

Como eu gostava de ver aqueles rostos estupefatos! Mas acima de tudo, eu gostava dos arrogantes. Dos que me desafiavam e saiam humilhados depois! De todos os lugares que estive, acho que nunca achei tantos como em São Paulo.

Lembro de um caso em particular de um desses boyzinhos de academia que parou na minha roda com a namoradinha gostosa e mais uma ou duas vagabundinhas para tentar espalhar seu macho-alfismo em meu pequeno show. Metendo seu nariz de vencedor de menino branco da Vila Mariana no meio do espetáculo - aos brados - tentando provar meu suposto charlatanismo.  Estava meio embriagado, mas fingia estar ainda mais, só para justificar o papel de ridículo e obter risos fáceis, misturando um português mal-falado e um inglês que ele aprendeu vendo filmes demais:

- Aĺ, MY BROTHER! VOCÊ ACHA QUE É O CARA, MAS JÁ SAQUEI A TUA! QUERO VER VOCÊ USAR ESTE OVO AQUI! ELE É SPECIAL!! 

Em meio aos risinhos de veludo das suas meninas, o asno me bate as costas com ligeira força e me dá um ovo de borracha com o objetivo de vê-lo quicar e, assim, fazer a farra a minhas custas.

Pois peguei o ovo de borracha e o atirei com toda a força contra o chão!! E ouvi os risos e o deboche de todos, exceto do meu oponente quando viu, diante de seus olhos petrificados, o ovo de borracha se despedaçar e expelir uma vívida e vigorante gema...

Eu posso ter sido motivo de chacota naquela tarde. Mas o meu oponente agora repousa em minha prateleira. Junto de tantos outros que tiveram a mesma ambição de ter seu dia de glória chamando um aleijado de mentiroso. Ele agoniza dentro de um vidro de maionese, desidratado, como um feto que não nasceu e precisa ser estudado. Está ali espremido, imóvel, repassando aquela fatídica tarde todos os dias em seus pensamentos. Tentando conectar a cadeia de eventos que o levou até aqui e tentando imaginar o que o colocou naquela enrascada. Já são 5 anos para ele. São 10, 15, 20 para outros.

Com o tempo, enjoei daquela brincadeira e parei minha coleção. Meu único lamento é nunca ter conseguido uma mulher. Não que elas sejam mais nobres, mas são mais tímidas. Nunca achei uma caruda o bastante para desfazer de meu truque...

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