Diário de João Ribeiro 9 / 12

Eu tinha a ilusão de que com o raiar do dia, como sempre, as trevas desapareceriam e deixariam algum artefato estranho para me torturar para trás. Bom, as trevas se foram, só que os artefatos estranhos eram o corpo de Gerson e do monstrinho e aquela montureira de sangue que espirrara. Não restava dúvidas de que fora tudo muito real.

Assim que as coisas ficaram normais não parei para chorar a morte de meu amigo, mas tentei tirar algum proveito da fracassada noite e me pus a revistar o corpo do menino morto. De fato era um garoto normal e não trazia nada de sobrenatural. Achei uma carteira quase vazia com uma nota de 5 reais e uma carteirinha escolar. Triunfei com o achado e desta vez não tentei dormir: mandei prá dentro uma xícara de café gelado, há muito amanhecido na cafeteira, para ficar acordado. Tentei limpar como pude o quarto para não atrair a atenção dos vizinhos, enfiando os lençóis encharcados dentro de uma mala velha, e jogando tudo, mais os corpos e tudo que pudesse dar algum tipo de cheiro no quartinho de bagunça de maneira provisória até eu voltar de minhas investigações. Tentei disfarçar o cheiro de forma igualmente improvisada, usando pó-de-café e água sanitária. Saí em disparada até a escolinha para colher o máximo de informações.


A escolinha ficava em Campos Elíseos, perto da Avenida Rudge. Me dirigi à secretaria e tentei me passar pelo pai do menino. Inventei uma história de que a mãe dele fugira com o filho e que eu procurava pistas. A diretora estava ausente e a atendente insistia que eu voltasse mais tarde, pois ela não podia tomar aquele tipo de decisão. Aumentei o nível das mentiras e disse que era policial a paisana. Disse que se ela não facilitasse iria voltar com um mandato e que ficaria muito ruim para a escola uma cena. É impressionante o que se consegue de pessoas que não estão acostumadas a pensar quando se sentem pressionadas. Ela só não me deu acesso, como também me deixou entrar e ficar a vontade para olhar em qualquer arquivo que eu quisesse.

O saldo foi positivo: saí de lá com o endereço e os nomes dos pais. Me dirigi até a residência, mas não tive o brio de entrar. Fiquei olhando de longe. Fiquei umas 2h lá quando me espantei ao ver aquela mulher que ataquei na clínica do Dr. Floriano acompanhada de um homem de origem oriental.

Criei coragem e me aproximei da casa sem ser visto. Rodiei a casa, mas não tive coragem de entrar. Espiei as janelas e achei o quarto da criança. Bem decorado, mas a com a cama impecavelmente arrumada, como se o hóspede não tivesse deitado nela há um tempo. Ensaiei uma invasão umas 3 vezes, mas desisti. Não sou invasor e não sou ladrão. Acho que até para isso deve se ter algum tipo de dom.

Decidi interrogar os vizinhos. Desta vez fiz a coisa mais profissional: corri para a Ladeira do Porto Geral e comprei uma fantasia de policial. Comprei a mais tosca e barata, mas com alguma respeitabilidade, para não demorar muito tempo. Voltei correndo para o mesmo endereço e a vesti por cima da minha própria roupa, num dos becos industriais do bairro. Comprei um copo de água num vendedor ambulante e usei para limpar meu rosto. Então, cheguei na casa de um dos visinhos e toquei a campainha e surgiu a figura de uma dona de casa de meia-idade, de origem humilde. Me identifiquei e joguei uma conversa fiada de ter recebido relatos de barulhos de uma briga de casal que foi além da conta. Eu sabia que ela acreditava que eu era um policial de verdade, mas levou um tempo para colaborar e, mesmo assim, só o fez quando eu insinuei que o barulho viria da casa que eu investigara. Então, ela cantou como um canário...

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