O Placebo

Era pontualmente 10 horas quando uma senhora de meia-idade entrava com o filho de 15 anos no consultório da "Clínica de Estudos Avançados da Alma", um trabalho sócio experimental da Universidade do Sobral.

- Vejamos... e o que a senhora tem?
- Eu nada, doutor. É meu filho.
- E o que ele tem?
- Está apático, doutor. Só come e dorme o dia inteiro. Ele não joga bola como os outros garotos e nem sai "de balada" à noite. - respondeu conotando o termo "de balada", ressaltando a estranheza de ser usado por alguém de sua idade.

O médico parecia apático e desinteressado. Já sabia o diagnóstico no momento em que pôs os olhos nos dois entrando no consultório, mas não queria parecer pragmático em dar um diagnóstico sem realizar um exame antes - E também para fazer a mulher acreditar que o tempo dela não estava sendo desperdiçado.

Ele olhou para a cara sonolenta do rapaz que aparentava ter ainda mais sono. Decidiu teatralizar um pouco porque, no fundo, também achava que o rótulo da sua especialidade soava um pouco apelativo e bizarro. Era como se tentasse provar para os pacientes que, a pesar do que parecia, também era médico. Então pegou um abaixador de língua...

- Diga "aaaaaahhh".

O Livro da Loucura


Logo de cara, sentencio: o Livro da Loucura não existe.

É quase como desses livros abomináveis que foram inventados pela literatura de ficção, tais como o Necronomicon de H. P. Lovecraft e seus Manuscritos Pnacóticos: são descritos com tantos detalhes que muita gente acredita que realmente existem.

No entanto, afirmo: folheei suas páginas...

O único exemplar do Livro da Loucura tem o tamanho de uma enciclopédia. Tem a capa dura, vermelha e amassada, sem nada escrita. É emendada por uma fita adesiva bem no meio, de cima-a-baixo lugar onde, supostamente, Fernando Pessoa teria a quebrado quando arremessara contra a parede. (Obviamente, remendada por outra pessoa, em uma época bem mais recente).

Tem cerca de cento e vinte páginas. Não sendo, portanto, um livro grande. É escrito em uma tipografia alienígena, não usando os símbolos conhecidos do alfabeto, da língua japonesa, chinesa, ou de qualquer outra presente nos mais tradicionais dicionários e tradutores. Em vez disso, a descrição mais a próxima é de que sua "escrita" se baseia na língua falada pelas criaturas do éter. A que só os vultos e outros seres com habilidade de comunicação que habitam seu abismo mais profundo pronunciam.

Seu conteúdo é literalmente subjetivo: embora conceitualmente o mesmo, as palavras se moldam para parecer ser destinadas ao leitor. Razão pela qual ser impossível, ou pelo menos desaconselhável, ser lido por mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

Como fiquei com medo de espelhos


Não, não vá embora! Fique aí! Vou te contar um negócio!

É rápido! Não se preocupe, não vou tentar te vender nada! Não vai levar dois minutos! É a história sobre como fiquei com medo de espelhos!

Não! Não é brincadeira! Você pode imaginar com é difícil para um homenzarrão deste tamanho - que até já domou o touro na unha! Que já escalpelou “cabra safado metido a besta” sem titubear! - admitir um troço desses!

Começou na minha meninice, quando eu não era mais que um botão, lá no subúrbio do Sobral. Meus amigos e eu andávamos pela rua, quando atravessamos uma loja de televisores. Estava passando o Jornal da Tarde na TV da vitrine e vi, estupefato, o efeito da vinheta de um anúncio de um programa de variedades. Faziam aquele efeito legal de uma câmera filmando uma tela de TV que exibe a imagem filmada pela própria câmera, formando infinitas imagens.

Ficamos com aquilo na cabeça. Era um menino muito criativo. Comentei com minha professora que me falou que dava para fazer o mesmo truque com espelhos. Cheio de curiosidade, perguntei para minha pobre mãezinha se ela tinha espelhos para eu e meus amigos brincarmos e ela me respondeu que não prestava brincar com eles. Dizia que provocar imagens infinitas era um jeito de abrir uma janela para o outro mundo.

O Caldo

Daqui a dez anos, muitas verdades serão revisadas.

Daqui a dez anos...

Uma das coisas que me lembro de daqui a dez anos, foi o grande alívio com que a sociedade recebeu a resposta ao problema da falta de espaço nas ruas, hoje conhecido como "trânsito". Foi quando a novata montadora "Suzano" anunciou o primeiro veículo a ser produzido que era maior - bem maior - por dentro do que por fora. Usando uma técnica que chamou de "Espaço Negativo". É conhecida como sendo o primeiro uso prático de um conceito obscuro da matemática chamado de "equação do zero". Logo, a técnica começou a ser usada nas fábricas, nos prédios e até mesmo nas casas; resultando em ruas muito mais largas, ocupadas por veículos muito mais curtos e estreitos.

Mas não foi só isso que apareceu daqui a dez anos! Houve também a criação do "Estado da Platina", um novo país que nasceu a oeste da Argentina; a descoberta de pelo menos dezesseis novos elementos químicos na natureza que passaram a fazer parte da tabela periódica dos elementos; a definição da ONU como Governo do Mundo reconhecido por todos e com poderes de exército e polícia e a privatização de todos os serviços públicos em todos os países. Daqui a dez anos, todos falam o Português falado em Angola.

Daqui a dez anos, todo mundo é bonito e cheira bem o tempo todo. Ninguém mais envelhece. Isso, se por um lado torna a vida mais fácil, por outro torna os velórios ainda mais tristes. Você pode ter vivido cem anos, mas sempre parecerá que viveu só vinte e dois e morreu na flor da idade.

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