Sete virgens e uma Mula

Cresci ouvindo lendas sem fundamento sobre músicas com mensagens ocultas. Gastei um incontável número de vinis tentando tocá-los ao contrário e, tirando uma brincadeira ou outra que algum artista se prestava a fazer, tudo o que captava eram sons grotescos que assemelhavam a espirros prolongados que os mais supersticiosos creditavam a vozes de invocação do mal. Mesmo assim, adorávamos todas essas histórias e continuávamos a perseguir a todos esses mitos e a estragar bons vinis.

A história que estou contando, de alguma forma, tem a ver com essas lendas. Mas o credito muito mais à forma com que o ritual foi conduzido do que à música que experimentávamos. Embora ela seja bem sinistra sob certos aspectos. (Até hoje a ouço, embora nunca sem lembrar da história que estou relatando).

A Mulher da Relva

Sobral é uma cidade repleta de lendas. Acho que nunca estive em uma cidade mais coberta de misticismo que essa. Ela não tem grandes monumentos e nem sítios arqueológicos. As coisas simplesmente aconteceram (ou acredita-se que aconteceram).

Não é a toa que a Universidade do Sobral é a única a ter um curioso curso de “Estudos Avançados da Alma“. Não é exatamente o mais procurado, mas nunca está vazio.

O lugar está repleto de lendas, como a da Chácara que é assombrada por cavalos carnívoros. Acho que é a mais famosa. Mas a minha preferida sempre foi a da Criatura Nonomon. Segundo consta, tratava-se de um ser homemídeo monstruoso de quase três metros de altura e que trazia um “X“ no lugar do rosto. A lenda conta que Nonomon sequestrava quem tinha um certo sonho um determinado número de vezes.

Mas a lenda que me marcou de certa forma foi a da Mulher da Relva, porque eu tive uma experiência impressionante com essa história.

Conversa com Nonomon

Não é de hoje que concordo com muita coisa que Nonomon pensa dos homens. Mas a última conversa que tivemos mostrou que não sei nada sobre a natureza que realmente controla nossos instintos e que é responsável pela nossa felicidade ou nossa desgraça. A jornada do homem poderia ser magnífica, não fossem os preconceitos herdados e todas as ideias sem fundamento que são perpetuadas das gerações anteriores. Agora sei que essa sina é plantada propositalmente por uma força terrível que me atrai de forma fatal, como a todo ser humano de forma absolutamente subliminar.

Eu estive domingo passado visitando meu amigo Nonomon. Mesmo não sendo humano, ele entende de muita coisa.

Meu amigo Nonomon é bastante antigo. Começou sua existência perto das montanhas das lágrimas, em um dos muitos abismos que existem por lá, muito antes que o primeiro homem tivesse a ideia de riscar seus dois pauzinhos para ver o que acontecia.

Nonomon viveu muitas eras. Esteve presente quando se formaram os anéis de Saturno, presenciou os primeiros passinhos da Via Láctea, viu Nero colocar fogo em Roma. Esteve aqui como observador quando os Reis Magos perseguiam sua tão famosa estrela e também em muitas outras ocasiões, de forma incauta na maioria delas.

Vultofobia


Sofro de um mal muito raro que me acomete desde muito criança. Tenho medo de vultos.

Mas a mim eles não se manifestam como a outras pessoas. Para mim são mais que sugestões de aparições. São visões fantasmagóricas e ameaçadoras que estão sempre a tentar tramar alguma coisa contra mim.
Li uma vez que são seres invejosos. Cobiçam a condição humana. Não são bem racionais, nem irracionais. São feitos de vontade, decepção e uma boa dose de depressão. São capazes de murchar plantas com sua presença e de causar brigas sem motivo. Mas, para mim, são bem mais que isso.

Eu era uma criança muito medrosa. E, enquanto me fazia quieta cuidando de meu estado de bovina timidez, desenvolvia minhas próprias neuroses. Acho que no fundo gostava disso.

Uma dessas neuroses começou com uma atração irracional a símbolos. Adorava desenhar símbolos e padrões. Começou com aqueles que indicam homem e mulher em banheiros. Depois foram os sinais de trânsito e então ganharam força com outros cada vez mais abstratos e específicos, como logotipos.

O Quarto das Galinhas


Decidimos invadir o quarto de Floriano e mexer em suas coisas. Queríamos achar seus feitiços mais inofensivos e testá-los para ter uma ideia de até onde tinha chegado. Infelizmente, o homem era um poço de desorganização e não era fácil se achar naquele monte de pilhas de papeis velhos e tubos vazios de Pronofol.

Um de nós nos alertou para decorar - e se possível fotografar - todas as posições onde a pilha estava, a fim de manter imperceptível nosso atrevimento. Mas eu não tive paciência e recorri a uma pilha mais discreta que jazia sobre uma cadeira. Havia alguns desenhos geométricos que logo identifiquei replicados com giz no chão de madeira. Me adiantei até lá com o mesmo papel e localizei o desenho no piso. Partindo do pressuposto que fazia corretamente, dei três voltas no sentido anti-horário, como sugeriam aquelas anotações difíceis de entender.

Outros de nós testavam outros sortilégios. Alguns misturavam compostos, outros copiavam rabiscos e alguns até cantavam. Acho que a maioria desses feitiços estava incompleta, mas pelo menos um só precisava ser executado. Não sei bem qual de nós foi o felizardo, mas de repente a luz se apagou.

Marionete


Vou tentar começar sendo direto: esta é mais uma daquelas histórias a cerca das páginas nefastas do Livro da Loucura.

E também é uma daquelas em que dou pistas de que o psiquiatra Dr Floriano está planejando construir uma máquina para materializar o livro. Recordo: o livro só existe nos sonhos das pessoas. Basta saber onde procurar. É mesmo impressionante... se você conseguir ter um sonho lúcido e seguir as instruções, fatalmente achará o mesmo livro com as mesmas descrições. Mas é um livro perigoso, assustador e, sobretudo, obtuso. Mas não pretendo escrever sobre ele novamente, até porque não "li" tanto como você pode imaginar (entre aspas, porque não se pode exatamente ler num sonho, só que o livro não apresenta exatamente o tipo de escrita que você está acostumado a ler). Por isso, só me atrevi a ler partes do Capítulo 1 e do Capítulo 3, para nunca mais ler. Já escrevi sobre eles e, quem tiver boa memória, me dará razão para ser assim.

A Brincadeira da Revista


"O correto é fazer com uma caixinha de música. Mas vou ter que improvisar com o assobio mesmo".

O rapaz cobriu todas as cores violetas que apareciam nas fotos com uma caneta marca-texto amarela. Levou um tempo, mas a curiosidade era tamanha que todo mundo esperou pacientemente.

Quando terminou, pegou a revista, a fechou e chamou a todos. Colou a capa com fita durex na tampa da mesa e pediu silêncio. Em seguida, sugeriu que todos fixassem o olhar, sem piscar, em um ponto que ele mesmo fez com a mesma caneta marca-texto na contracapa da revista. Em seguida a folheou bem rápido, a partir da última página para a primeira.

Com uma habilidade incomum, o rapaz conseguia passar todas as folhas com a mesma velocidade. Assobiava uma espécie de canção europeia antiga de ninar, bem lenta e sinistra. As pessoas que faziam o truque corretamente, sem piscar, conseguiam ver uma ilusão de ótica em todas as manchas amarelas que borravam do lado oposto a que haviam coberto a cor violeta, sugerindo figuras. Eles viam um menino brincando com um cata-vento calmamente sentado. Era incrível o realismo. Mas a revista era muito curta e a animação não ia até o fim.

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