A Dona da Foice
Afrânio achou uma pequena foice entre as coisas de sua finada senhora numa dessas viagens ao passado que fazia ao porão sempre que se sentia nostálgico e solitário.
Achou esquisito. Nunca tinha visto a esposa com aquilo. Era pequena e bastante semelhante àquela usada no símbolo do comunismo. Exceto que essa tinha cabo de madeira. Muito provavelmente, era usada para abrir clareiras no meio da mata e construir trilhas na relva.
Era bem leve e bem velha. Tinha uma palavra estranha desajeitada escrita no cabo. Parecia latim, mas não era (Afrânio já estudara o idioma na juventude e se lembrava o suficiente para saber que não era).
Começava a confabular sobre a procedência de o instrumento ser de um ladrão, quando ouviu um barulho vindo da cozinha. Apressou-se e foi surpreendido por algum estranho lavando seus pratos.
Pegou a mesma foice e se aproximou com cautela. Quando chegou, se assustou com o que viu.
- Olá, Afrânio! Eu estava esperando você subir e estava me entretendo com sua louça. Você não deve saber, mas não posso entrar no seu porão...
Muito Além do Livro da Loucura
Dr. Floriano,
Fiquei curiosíssimo com sua descrição a
cerca do Livro da Loucura e do caminho para chegar nele. Parabenizo-o pela
descoberta.
No entanto, o que me motiva a escrever é a
"Máquina Onírica de Realidade Inconsistente" que levaria até o livro,
se fosse cuidadosamente burlada. Desde que se dobrada a certa esquina.
Esse estranho artefato que povoa o mundo
dos sonhos precisa ser muito bem estudado. Segui suas orientações em busca do
livro, mas me perdi na inconsistência, tendo revivido a mesma passagem inúmeras
vezes até despertar. Tentei novamente na noite seguinte e, desta vez, tomei uma
dose do Pronofol. Dessa vez, quando cheguei à máquina de inconsistência,
consegui manter a lucidez e avançar. Porém, descobri que a passagem ao qual
você se refere não é a única! Mas a primeira de uma centena! Basta manter a
lucidez suficiente no sonho para passar adiante dessa passagem para ter acesso
a outras.
O problema é controlar essa lucidez a ponto
de não se deixar levar e atravessar o corredor todo, entrando na máquina e
voltando a seu início. Nem ao ponto de se modificar o sonho por indução de
pensamento e, assim, quebrar a estrutura dele e ser conduzido ao despertar. Por
isso, acho difícil a empreitada sem tomar doses perigosas de Pronofol.
Mas o ponto não é esse. Já vimos centenas
de outras máquinas de inconsistência. Não são nenhuma novidade: você entra em
uma estrutura familiar - muitas vezes um corredor ou uma ponte e, em algumas
vezes, até mesmo uma porta comum - e se vê repetindo inúmeras vezes o mesmo
momento, sem perceber, até o despertar. Porém, essa estrutura em especial que o
senhor descobriu não é regular e apresenta bifurcações. Quantas são, para o que
servem e até onde elas nos levam é o mistério.
A Oitava Nota
Teixeira estava apreensivo.
Queria conquistar o coração de Simone de qualquer jeito. Mas ela,
que era moça fina e parecia feita para estrelar comercial de margarina, só
tinha olhos para o Gonçalves, tocador de violão, muito bom galanteador e que
estava começando a fazer algum sucesso com seu sertanejo universitário na
cidade.
Teixeira tocava flauta doce. Nobre instrumento, mas que não
costuma chamar a atenção do público hoje em dia, principalmente do feminino.
Ninguém sabe o que levou o desajeitado Teixeira a se inscrever
pata tocar na tradicional festa do morango de Sobral. Penso que foi um desejo
intimo de fazer afronta a Gonçalves e provar à Simone que ele podia ser melhor do
que ele em alguma coisa. Fato é que esta é mais uma daquelas histórias que começam
erradas e terminam ainda mais erradas pelo mesmo motivo: o coração de uma
mulher que não dá a mínima para você...
Não dá para saber bem como aconteceu, mas Teixeira teve acesso aos
estranhos estudos que o pobre Josué fazia. Para resumir, Josué era um
açougueiro muito querido da capital que faleceu de uma estranha doença, depois
que passou a estudar os misteriosos rabiscos que eram pendurados na Rua Dr. Gabriel
Pizza pelos mendigos da Capital. Algo o levou a acreditar que existia uma mensagem
cifrada na estranha matemática espalhada a esmo pelos fragmentos. Terminou
louco e com uma enorme bolha que cobriu seu rosto todo e que o impedia de se
alimentar e de respirar.
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