Diário de João Ribeiro 4 / 12

Meu amigo deve ter se assustado quando abriu a porta do meu quarto.

Eu estava catatônico. Meu colchão estava todo mijado e levei um tempo para dizer alguma frase que fizesse sentido. Passado algum tempo percebi que tinha mais gente no quarto e que me deram algo para beber. Eram os vizinhos. Estavam muito preocupados. E, principalmente, assustados com o fato de eu ter uma faca tão grande nas mãos naquele estado.

Dormi um pouco. Não queria, mas precisava. Tinha muito medo de fechar os olhos. Mas descobri que tinham me dado calmante. Quando todos foram embora começou a parte realmente difícil: explicar o que tinha acontecido.

Demorei mais do que deveria para começar a contar tudo. Gerson, ainda atordoado do choque pelo falecimento de sua amiga e minha ex-mulher, foi muito compreensivo comigo e ouviu tudo sem me interromper. Não tentei dissuadi-lo a não me achar louco, porque nem eu tinha essa certeza. As únicas provas de que dispunha era o corte que fizera com a farpa da placa no ônibus e a faca, e ambas não provavam muita coisa.


Gerson ficou uns três minutos sem dizer nada, sentado com as mãos juntas e olhando para o chão pensando. Ele começou a fazer aquilo que eu achava que o Dr. Floriano deveria ter feito durante a consulta: investigar o pesadelo. Ele tinha a teoria de que eu estava em algum estado sonâmbulo e que, assim, deveria ter pego a faca enquanto dormia do quartinho que o zelador usa para guardar ferramentas de manutenção. Não encaixava, mas era a melhor hipótese que conseguimos. Seu maior medo, e meu também, era o que aconteceria se eu não tivesse acordado aquela hora. Eu tinha muito medo de descobrir se eu o mataria dormindo, imaginando ser ele algum demônio visto durante a visão. Mas usávamos nossas palavras com muita cautela quando tratávamos do assunto. Nunca chegamos a declaradamente falar sobre isso, embora um soubesse o que o outro pensasse. Eu, por medo de estar ficando louco - e por temer que aquilo pudesse desencadear em meu subconsciente algum processo em que desencadeasse o fato em si, durante uma nova crise de sonambulismo - ele, por medo de me ofender.

Concordamos em mudarmos de assunto. Além de tudo, falar de mim mesmo já estava me irritando. Decidimos ir até a minha casa pegar algumas roupas.

Um cheiro azedo de comida estragada pairava no ar. Tudo estava como eu havia deixado e Gerson começou a revirar a casa em busca de sabe-se lá o quê. Não tive coragem de passar da cozinha por razões óbvias. Não achamos nada além de bagunça.

O "negócio esquisito" ocorreu quando eu estava sozinho no quarto. Tenho uma daquelas balanças portáteis, dessas que se vendem em farmácias, mas que usam ponteiros no lugar de painel LCD. Me pesei de forma banal e despropositada e me espantei com meu peso: 60kg!! Normalmente peso 90! Como a balança era de ponteiros (e antiga, diga-se de passagem) julguei ter ocorrido um erro de leitura, ou mesmo de calibragem.

Mais tarde, por incrível que pareça, aquilo fez sentido. Depois que finalmente me revelaram uma parte do enigma sombrio em que eu estava inserido, percebi estar sendo divido em outros planos de existência, quando revisitei esse pesadelo - ou "visão", como prefere chamar o Dr. Floriano.

Voltamos para o apartamento do Gerson. Combinamos esquecer aquilo por um tempo e chorar um pouco a morte da minha ex-esposa. Vimos um pouco de TV, conversamos banalidades e fomos dormir. Eu estava exausto e, mesmo com medo de fechar os olhos, estava com muito sono. Mas não cheguei a dormir: deviam ser 22:15h quando notei algo absurdamente errado...

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