Convite para uma Aula

Fui convidado a entrar em uma sala onde eram dadas aulas. Minha falta de percepção impediu uma rápida dedução de que sala era, mas percebi que o chão era coberto por tacos de madeira e que estava todo encerado. Havia uma grande falta de carteiras em algumas partes e, só então, percebi estar em minha sessão eleitoral (onde também outrora eu estudara o 1o ano do 2o grau).

Não era para sentir nenhuma nostalgia, já que eu nunca gostei do lugar (exceto pelos dias de eleições, onde algumas gatinhas eram obrigadas a servir como mesárias). Mas, embora as carteiras estivessem em parte afastadas e em parte não, não era dia de eleição. E, só aos poucos, fui notando que as pessoas que provavelmente seriam os mesários estavam vestindo jalecos de médico por cima de uma roupa casual.

Minha mente lenta demorou para assimilar, como era normal à circunstância. E foi bem lentamente também que notei que, embora as carteiras estivessem afastadas, pelo menos 4 estavam em fileiras com alunos sentados assistindo a uma aula. Não me lembro se eles também vestiam jalecos brancos, como os que davam aula (que a princípio pensei serem mesários). Foram eles que me receberam e me dirigiram a uma carteira um pouco afastada. Não era como se eu fosse um dos alunos, mas um consultor que devia ajudar.


Pareciam estar entretidos em entender alguma coisa que tinha acontecido e que minha opinião era fundamental para chegar à conclusão. Me senti importante e presunçoso ao mesmo tempo. Importante, pela importância dada à minha opinião. Presunçoso, porque eu não entendia nada que era discutido, mas fazia me entender. E, de qualquer forma, não poderia mesmo entender, devido a minha situação.

Minha lentidão foi tamanha que demorou muito para perceber que falavam de alguma coisa relacionada à biologia ou à medicina - e só agora entendo o motivo, já que a sala se parecia muito com o laboratório de química quando eu estudava lá, exceto que o laboratório era bem abafado e úmido. 

Um dos palestrantes aponta para o lado direito, onde o espaço vazio das carteiras era ocupado por uma maca de prata.

Eu não me lembro muito bem o que aquelas pessoas diziam, nem me lembro como fui direcionado até lá, o fato é que logo me vejo de joelhos perante a maca. Não me recordo se eu estava em cima de uma mesa, ou se ocupava uma parte dela, mas eu estava no mesmo nível que ela, onde havia um cadáver deitado.

Era um senhor moreno, careca, magro talvez de 60 ou 70 anos. Estava sem a camisa. Estava definitivamente morto. Era um fato consumado para mim, embora não me lembre se alguém tivesse me dito isso. Ele estava desengonçado, deitado, com os cotovelos abertos e os braços em volta da cabeça. Não havia sinais de podridão, mas tinha prá mim que estava morto há algum tempo.

Enquanto os professores prosseguiam com a aula, fui aos poucos sendo tomado por um mal presságio. A tensão ficou pior quando eu sentia que as atenções aumentavam para mim, como se todos esperassem pelo mal presságio que eu sentia se consumar.

Então pensei: "merda, isso vai se levantar" e fechei os olhos.

Enquanto meus olhos fechavam, notei aquilo tentando me surpreender como se tentasse me caçar. De súbito, sem aviso: se sentou na maca, se arcou sobre mim, colocou as mãos mortas e pesadas sobre minhas pernas dobradas para que não fugisse e depositou sua cabeça sem vida sobre meu rosto, me encarando de maneira muito ágil, veloz e horrível. Tentando achar uma fresta ainda aberta de meus olhos para devorar minha alma e fazer meu coração saltar pela boca.

O mais assustador é que, pouco antes de acordar, de olhos fechados, eu ainda sentia que aquilo continuava esperando por uma fresta.

Adaptado de um pesadelo

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