Amanda tem um segredo.
Amanda tem 19 anos e a pele branquinha. Seus cabelos são
castanhos, longos e sedosos. Chegam até a metade das costas. Ela gosta de
enrolá-los em coque, só para deixá-los se soltar e espalhar o aroma do shampoo
gostoso em câmera lenta. Tem os olhos lindos e o rosto de princesa. A voz de
Amanda é capaz de acabar com uma guerra (ou de provocar outra). Suas mãos estão
entre a delicadeza de uma fada e a malícia do pecado. Gosta de provocar, mas de
jeito sutil. Usa, sempre que pode, bermuda jeans curta até a altura das cochas
brancas. Os garotos se apaixonam por ela, os adultos a desejam, as mulheres a
invejam. Mas Amanda tem um segredo - só que ainda não é hora de contar (ela
pode estar ouvindo...)
Amanda gosta de colocar o pingo no “i“ como uma bolinha. Tem
letra redondinha e ainda hoje tem o costume de medir o parágrafo dos
manuscritos com dois dedos. Amanda é ótima em matemática, mas já mentiu só para
fazer aula de reforço com certo professor. Amanda não é virgem, mas só tem
certeza disso quem já beijou a sua flor... Mas Amanda tem um segredo - só que
ainda é cedo para contar porque ela parece desconfiada...
O beijo de Amanda tem gostinho de chiclete. Amanda adora
música pop, mas também gosta dos Strokes. Ela adora balada, mas nunca usa roupa
de festa. Sempre usa um visual de quem vai caminhar no parque. Ela gosta de
paquerar os bartenders, mas nunca fica com nenhum deles, embora goste de pensar
que todo mundo ache que sim. Amanda é popular. Está bombando em todas as redes
sociais. Expõe quilos de fotos de viagens, de poses e de beijinhos. Todos
querem cinco minutos de Amanda, mas Amanda tem um segredo... e não é bom falar
nisso porque ela pode ficar zangada...
Amanda gosta de fazer “festinha“ quando encontra com
conhecidos só para chamar a atenção. Amanda gosta de provocar ciúmes e
despedaçar corações. Amanda já saiu com o pai de um ex-namorado, só para saber
se podia. Amanda tem um emprego meio-período na lojinha do padrasto só para
passar o tempo. Ela recebe muitos presentes. Mas Amanda tem um segredo. (E não dá
para contar ainda porque Amanda está fazendo aquela cara de desentendida...)
Amanda não tem cachorro porque não quer recolher o cocô
dele, mas acha bonitinho (na casa dos outros). Amanda torce pelo Palmeiras, mas
não entende bem a regra do “impedimento“. Na verdade, Amanda não entende muito
de futebol...
Amanda gosta de ver “torture porns“, mas só lembra décor do
primeiro “Jogos Mortais“. Amanda chora quando vê filmes tristes e gosta de
imaginar se as pessoas sentiriam sua falta se ela morresse, nos dias de chuva.
Amanda é doce e adorável e, quando quer, parece até boba. Mas é só charme.
Amanda é cruel, mas não dá para explicar bem agora porque ela parece olhar para
mim com os olhos nas órbitas.
Amanda também gosta de Big Brother e de Crepúsculo, mas não
sabe décor o nome de nenhum personagem. Amanda gosta de beber batidinhas e
margueritas e se sente sofisticada quando bebe tequila. Amanda quer ir nessas férias
para Florianópolis porque lá tem muita gente bonita e interessante. Amanda
chama a capital catarinense de “Floripa“ porque gosta do som que a palavra tem
e porque se sente “descolada“ e “moderninha“ quando fala. Amanda também sonha
em conhecer Nova York e acha que as pessoas de lá são melhores que as pessoas
daqui. Amanda “dança até o chão“ quando está “altinha“ e para o bar todo quando
dança. Amanda sabe que é bonita.
Você mentiria se dissesse que não se apaixonaria por ela,
mesmo com todos os pequenos defeitos de Amanda. Mas Amanda tem um segredo...
... Amanda não tem sombra.
Amanda participava daquela brincadeira do copo, mas o copo
quebrou. Em vez de um espírito, um vulto lhe encarnou. Agora, a alma rosada de
Amanda está permanentemente borrada com a mancha da inconsistência e
imprevisibilidade. Aquela cuja lógica tradicional e caduca não é capaz de
entender e tem por costume rotular de loucura.
Não começou porque Amanda foi cutucar o que não devia e nem
foi por nenhum castigo ou punição. Desde pequena a menina via o vulto de outra
menina lhe seguir todos os passos, sorrateira, sempre por trás de seu ombro,
escondida no canto da porta, no reflexo da TV e dos espelhos. A seguia até nos
banheiros, de onde se podiam ver pés por debaixo da fresta da porta - quando
certa garota afirmou ter visto, aparentemente esperando, apenas as pernas -
mesmo do lado de fora - sem o restante do corpo.
Agora Amanda tem um segredo. Fundida a alma com um vulto, ela
rasga o coração da madrugada, atravessa muros de cemitérios e penetra currais
de animais solitários. Sempre às 2 da manhã - que é o eterno horário dos
relógios do éter - de certos dias da semana. E não só nenhuma carcaça de animal
apodrecida está a salvo, como também a de tudo o que for relativamente menor do
que ela: sejam bezerros recém-nascidos, cãezinhos de rua e até mesmo pequenas
crianças abandonadas que estejam doentes demais para correr.
Amanda tem um segredo: tudo o que esteja recentemente morto,
ou parcamente doente, lhe excita e arrepia a pele branca. Faz arrepiar cada
poro de sua pelezinha macia de princesa. Cada cheiro que lembre vagamente
alguma coisa falida lhe dá sede. No começo, bebia até remédios! E de qualquer tipo! E o preferido era a
dipirona sódica, porque lembrava gente doente. Teve uma época em que bebia a
própria urina porque saía o cheiro da dipirona concentrada, fantasiando beber a
urina de algum moribundo.
Amanda tem um segredo. E é bom você não surpreendê-la enquanto
ela invade estábulos e infecta propositalmente com uma ampola de
sabe-se-lá-o-quê os cavalos, só para que fiquem doentes. É bom você não vê-la
cravar os dentes transtornados de boneca no dorso dos bichos e sugar o sangue e
pús, especialmente das feridas. É bom que você não note uma língua
descomunalmente sobrenatural da largura de uma cobra do fundo da garganta
saltar na carcaça dos pobres potrinhos, a fim de quebrar os ossos mais grossos
e de sugar o sangue e o soro mais depressa. Na verdade, é bom que você também
não comente que ela guincha através de pequenos furos que se dilatam no pescoço
da menina enquanto ela o faz. Mas não fique perturbado se a achar incrivelmente
sexy mesmo assim... mesmo quando notar que os olhos de Amanda não estão mais
azuis, mas inteiramente negros, até as órbitas...
Mas você não tem que ter pena ou raiva de Amanda porque ela
carrega essa maldição - e nem mesmo de suas infortunadas vítimas. Porque, no
fundo, a piedade que você sentiria seria de você mesmo. De você que vasculha demasiado
sentido nas coisas e que acha que pessoas como Amanda são bonitas e especiais demais
para sofrer. De você que não entende que a fatalidade não julga e nem castiga ninguém.
De você que não é capaz de conceber que as coisas ruins, na verdade,
simplesmente acontecem...
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