A Equação do Zero

Reza a lenda, entre alguns catedráticos no estudo avançado de física da Universidade do Sobral, que existe uma equação capaz de responder a tudo o que se desconhece sobre a natureza. Não apenas às inconsistências que enchem a mente dos pesquisadores, mas também a todo o tormento que aflige a alma humana. Capaz de decifrar o sofrimento, capaz de equacionar o amor, de prever tragédias, tendências de comportamento, prever o futuro, descobrir o passado, enganar a morte e explicar a síntese da existência. Seria o elo que falta na explicação de tudo o que existe e do que não existe também.
A equação seria capaz de unificar todos os conceitos, teorias filosóficas e de todos os conjuntos matemáticos, independente de contextos. Abordaria basicamente o estudo do zero e do caos.

Chamam-na de "A Equação do Zero". Surgiu de uma especulação sobre um fragmento de um manuscrito do século XII que teria sido encontrado. Pertenceria ao célebre matemático indiano Báskara II, que elaborou a fórmula que leva o seu nome, decifrou o enigma da divisão por zero, entre outros. Contudo, a existência do fragmento nunca foi comprovada.



Este semestre um fato fez esse boato voltar à tona, quando um experimento improvável aconteceu e terminou por vitimar 2 moças.

Um desconhecido entrou no campus e passou a frequentar algumas das aulas sem que ninguém se desse conta de que ele não era aluno matriculado. Acompanhava qualquer curso que fosse relacionado à matemática, mas faltava às provas.

Um dos professores de Engenharia achou estranha a aparência do aluno. Era descuidada e modesta demais para a média dos demais, que eram bem-nascidos e de boa família. Passou a elucubrar uma forma de desmascarar o aluno impostor que não fosse muito óbvia.

Certa aula, reparou que o aluno era o único que não anotava suas colocações e lhe chamou a atenção. Na ocasião, o professor estava revisando uma dessas equações em que você fica horas calculando e, no final, chega num conjunto vazio porque o resultado não está de acordo com os pré-requisitos do teorema.

- Não vi você anotar nem uma palavra do que eu disse hoje. Você ao menos tem com o que escrever?

- É que estou com poucas folhas no caderno e estou as poupando para algo que seja realmente relevante. - A resposta provocou risos em todos, mas o rapaz não tinha a intenção de ofender.

- Ah, o senhor então acha minha aula irrelevante! - Respondeu com ironia provocativa e teatral o professor.

- Não foi o que eu quis dizer, mas acho que suas colocações são um pouco incompletas... Não existe nessa aula nada o que já não se saiba há bastante tempo e o máximo que conseguimos evoluir é nesse resultado de "conjunto vazio" ou "não pertence aos números reais". Esse problema, professor, pode ser desenvolvido para além desse ponto. Ele tem solução.

Ele não quis, mas feriu o orgulho do mestre. Só percebeu quando os risos de deboche espalharam na sala. Chegou a pedir desculpas pelo mal-entendido, mas ouviu do professor um enorme sermão, acompanhada de uma desnecessária demonstração de raciocínio no quadro para mostrar que o problema não tinha solução. O aluno então se sentiu desafiado e se levantou da cadeira até o quadro para uma demonstração de seu ponto-de-vista, arrastando risadas da sala que eram causadas não só pelo desafio da autoridade, mas também pelo seu jeito esquisito de se vestir e de andar...

O rapaz foi até o quadro, pegou um pincel atômico e evoluiu o cálculo para além do resultado obtido. Para tal, fazia uso de fórmulas estranhas. Usava teoremas desconhecidos, dotados de símbolos estrangeiros que, normalmente, não apareceriam na simbologia matemática. Quando concluiu o raciocínio, colocou no resultado um símbolo de infinito com um "til" em cima.

- O que é isso?

- É o resultado da equação.

- Rapaz! De onde você tirou tudo isso? Essa lógica que usou simplesmente não existe!! E o que é essa coisa em cima do infinito?

- Aprendi por ai. - respondeu muito naturalmente, mas sem que com isso não fizesse a resposta soar meio evasiva. - e este não é o símbolo de infinito. É da imprevisibilidade.

- Basta! Estou farto da sua petulância! Ofende a minha inteligência e a desta instituição o senhor frequentar as aulas sem ao menos estar matriculado, expondo nosso frágil sistema de segurança dotado de vigias e zeladores incompetentes! Mas o senhor desmerece ainda mais esta aula ao se tentar safar inventando um teorema que não passa no mais débil dos teatros mambembes da vida! Cujos atores mequetrefes esmolam às custas da piedade bovina de pessoas sonsas como as que você crê que sejamos!!

O aluno protestou gaguejando e saiu às pressas da sala sem concluir o que ia dizer. Quando os ânimos se esfriaram e parecia que a aula ia finamente continuar, o rapaz retorna com uma mochila jeans esfarrapada, andando muito sério, pisando duro, e a passos largos. Com a força com que a jogou sob a mesa do professor, interrompendo a aula abruptamente, muita gente temeu fazer parte de um daqueles massacres que ocorrem em escolas americanas.

O professor ficou muito surpreso e não conseguiu escolher as palavras certas para demonstrar sua indignação. Então ficou calado observando a partir do quadro, de onde havia se virado quando ouviu o barulho. O rapaz tirou da mochila um conjunto de tralhas: uma bateria de carro, uma pilha-palito já estourada, um número reduzido de moedas antigas de 5 e 10 centavos de real - daquelas que pareciam "brinquedos" e tinham tom avermelhada - esponja de aço, pedra-sabão, fósforos e argila. Havia também um cem número de tralhas menores, mas que não chegaram a ser usadas, exceto por umas chaves-de-fenda, alicates, e umas garrafas-pet com conteúdo bastante malcheiroso e muito suspeito...

Quando o professor achou as palavras certas para gritar, o rapaz já estava montando seu experimento sobre sua mesa. Ele raspava as moedas com a esponja de aço, esfarelava as pilhas estouradas e, aos poucos, ia transformando a mesa em uma bancada tosca de alquimia.

O professor segurou no braço do rapaz com força e ordenou que saísse. Este repeliu o safanão e foi respondido com um questionamento:

- O quê o senhor pensa que está fazendo??? Vou chamar a segurança!

- Estou provando que o senhor está errado!

Essa discussão continuou inutilmente, enquanto o rapaz terminava de montar seu experimento, sem que ele olhasse para o professor nenhuma vez. Dava para ver que ele estava com o orgulho muito ferido, tinha lágrimas nos olhos.

O professor finamente parou de ameaçar e partiu para a ação: saiu e voltou com 3 seguranças. Quando chegaram à porta, vislumbraram algo que dificilmente um deles vai conseguir explicar.

Quando o rapaz terminou de montar seu experimento, pegou um pedaço velho de fio e raspou de leve em um dos polos da bateria de carro, de modo a fechar o circuito. E, de repente, a Natureza entrou num breve caos... A começar da grande e desproporcional labareda negra que surgiu e varreu o que tinha na frente até chegar à parede, atingindo duas meninas que se sentavam muito próximas.

Antes que alguém se recuperasse do susto, o sol escureceu num meio-eclipse que não fora previsto por ninguém, deixando o dia num tom vermelho muito macabro por pelo menos 40 minutos. Não foi de conhecimento deles, mas o fenômeno também provocou leves abalos sísmicos em algumas cidades das proximidades. Chuvas de granizo e um aumento abrupto nos casos de partos prematuros nas estatísticas daquelas cidades também tiveram essa causa.

Outro fato que, até pareceu pequeno perto de tudo, foi um blackout que ocorreu no Campus todo e também na vizinhança, momentos antes do estrondo. Hoje se especula que, se fosse medida na época do incidente, um nível incomum de radiação teria sido detectado.

Porém, nem todas essas consequências, nem o fato das duas meninas - que foram vítimas daquela fagulha de anti-matéria e que agora jazem no chão com as cabeças fundidas, como se tivessem nascidas irmãs siamesas - nem o fato de o cabelo de muitos dos presentes começarem a cair depois desse dia - e pelo menos durante a semana seguinte também - nem nada disso chamou tanta atenção como o rombo que a explosão fez na parede...

Se você olhasse por ela deveria ver o mesmo céu vermelho e os mesmos bosques que aparecem nas janelas... DEVERIA! Porque, o que se via naquele rombo, era a visão noturna da cidade-fantasma de Chernobyl, na Ucrânia...

Os olhares aflitos nem tiveram tempo de olhar o colapso de toda a racionalidade à volta, quando se dirigiram para o rapaz. Que, com uma expressão perplexa, mas ao mesmo tempo plácida, argumentou:

- Imprevisibilidade...

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