O Segredo dos Garotos


Os meninos da rua de baixo chamaram a Tuca, o Dudú e o Jásper para mostrar uma coisa que acharam, depois da aula.

Todo mundo ficou empolgado! Mas os meninos da rua de baixo, além de reconhecidamente mais destemidos, sabiam muito bem guardar segredo. Mais do que isso: sabiam mesmo como provocar a curiosidade de todo mundo.

A notícia foi se espalhando e, até a hora do recreio, não se falava em outra coisa! Até os amaços que a atirada Denise deu no menino (bem) mais velho eram nada perto do assunto do achado dos garotos. Tanto que ela sentiu um tremendo ciúmes de não estar mais no vórtice das fofocas.

Aqueles garotos eram fantásticos! Sempre inventavam coisas novas! Eram inteligentes, unidos e nunca se deixavam abalar por nada! Um deles passou pela Denise e soltou propositalmente um comentário provocativo, como se não fosse para ela: "somos grandes exploradores, isso que somos! Somos os Indiana Jones  de nosso tempo!"


Nunca uma aula foi tão quieta como a que se sucedeu àquele recreio... os garotos ficavam espalhando bilhetinhos sobre sua grande descoberta, sob as carteiras... Até uma secreta banca de apostas se formou: quem adivinhasse o que era, levava o bolo! Chegaram a juntar 500,00...

Um dos professores ficou intrigado com aquilo e acabou sendo contagiado pela curiosidade, quando ouviu um deles se deliciando em aguçar a curiosidade de um grupo de adolescentes no corredor:

- É de comer?! - ele mesmo fazia a pergunta
- NÃO SENHOR!! - em coro, os outros garotos, que sabiam o que era, respondiam; provocando as garotas que tentavam interromper para que fossem direto ao ponto logo.

- É de beber?!
- NÃO SENHOR!!

- É de pôr no ouvido?!
- NÃO SENHOR!!

- Então o que é?!?.......
- É DE CAIR O QUEIXO!!

Eles repetiam essa charadinha de tempos em tempos. Quando a aula terminou, a turma toda formou uma espécie de jogral, repetindo esse "mantra" e saiu até a casa de um dos garotos para ver o tal segredo. Quando a sala ficou vazia, o professor, curioso, também decidiu seguir os meninos para ver se o segredo era boa coisa, ou algum tipo de  delinquência.

A casa não ficava longe. Quando ele a avistou, no fim da rua, já fazia um tempo que a turma tinha chegado. Antes de ouvir a gritaria, ele se deparou com a Tuca e o Jásper voltando. Os dois pareciam desesperados. Choravam e andavam a passos largos, um apoiando no outro, mas sem correr. Parecia que o Jásper mancava um pouco.

- Fe-fessor!! É terrível!! Alguém precisa fazer alguma co-isa!! - Jásper chorava fungando o nariz o tempo todo para que o ranho não desse a volta na napa e acabasse entrando em sua boca.
- E-eles têm um monstro!! E é escravo deles!!

O professor nunca mais conseguiu tirar da cabeça a cena que vira na garagem: em meio àquele monte de garotos e garotas extasiados, havia uma espécie de menino muito estranho acorrentado a uma corrente pelo pescoço: Estava nu e tinha a pele rosada gelatinosa e muito sensível; com olhos quase na altura da testa que se moviam independentes um do outro. A boca era muito pequena e sem lábios. Parecia se mover para respirar como fazem os peixes. Tinha também uma calda que tinha um espeto na ponta como têm os escorpiões. Tinha pernas e braços desproporcionalmente pequenos para sua altura e uma quantidade de dedos diferente em cada membro.

Horrorizado, o professor não sabia se sentia mais pavor diante da criatura recém descoberta, ou se da forma selvagem como aqueles meninos bem nascidos tratavam ela.

A criatura aparentava estar, até então, muito abatida. Porém, de um salto, ela se encheu de fúria e mudou seu semblante, distorcendo completamente seu rosto, dando-lhe aspectos irreconhecíveis e tenebrosos. Se você perguntasse a algum daqueles meninos que estavam presentes, a maioria deles concordaria que se parecia muito com uma daquelas "carrancas" que estão a venda em algumas casas de artigos religiosos.

Os eventos que se sucederam foram também muito estranhos: uma luz escurecida cegou a todos lá dentro por um breve intervalo de tempo, como se fosse um flash invertido. Todas as meninas presentes menstruaram ao mesmo tempo, estando em seu período ou não (algumas pela primeira vez). Todos os garotos tiveram um sangramento discreto no nariz, mas os mais fracos sangraram em bicas, principalmente os de pele mais clara. Mas estranho mesmo foi a palavra proferida pela voz que parecia ecoar das entranhas da Terra, instantes antes da criatura desaparecer diante de todos. Foi algo muito forte e teve um efeito arrebatador em todo mundo, causando um olhar de espanto e um silêncio voraz instantâneo. Embora ela tivesse um sotaque estranho, a palavra proferida tinha um significado muito claro em português, e poucos significados a definiam tão bem. O grau de familiaridade dela era muito grande e foi compreendida de primeira por todos - sem exceção.

Dizia "praga".

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