O Anúncio

Paulo reuniu todos os amigos e familiares em um antigo salão de festas que estava para se transformar em uma pequena fábrica de tecidos. Ele tinha um anúncio importante para fazer. A data coincidia com seu aniversário.

Todo mundo compareceu em absoluto suspense. Embora pairasse no ar uma suspeita de anúncio de casamento.

A reunião tinha mesmo clima de festa: havia tapete vermelho na entrada, fotos dele de todas as épocas em tamanho grande, um grande livro aberto em que o convidado podia transmitir uma mensagem e criados servindo coxinha, bolinho de queijo, refrigerante e cerveja.

Seu atraso transmitiu uma certa presunção pelo exagero no suspense. Quando chegou, veio trajado num terno branco e calçado impecáveis sapatos recém engraxados. Tinha também gel no cabelo. Atraiu grande atenção para si quando subiu no palanque enfeitado, preparado normalmente para formaturas. Havia um microfone num pedestal que ele logo tratou de se apossar. Cumprimentou sorridente algumas pessoas como se fosse um astuto político e esperou silêncio, sem perder o brilho no rosto.



- Senhores, chamei-os aqui porque tenho um importante anúncio a fazer! Os anos de trabalho dedicado na vida de um homem podem enobrecê-lo. Mas também deixam-no acomodado e distante de sua real natureza.

Ele fez uma pausa para beber água e pareceu ponderar suas próximas palavras, embora estivesse muito seguro delas.

- Este é o meu cordial adeus. Quero anunciar a todos a minha despedida deste mundo: decidi morrer hoje!

Um enorme burburinho foi surgindo e Paulo foi obrigado a falar mais alto para que ele próprio se ouvisse. Muita gente achou graça, mas como ele não ria (se mantinha sorridente, mas sem rir) e não mudava de assunto, aos poucos as pessoas iam perdendo a cabeça.

- Queria me despedir de todos vocês! Foi uma honra ter compartilhado tão nobre companhia! Sinto-me privilegiado! Mas agora estou cansado: já vi o que tinha para ser visto, já amei o que tinha para ser amado. Nenhum homem deveria viver mais do que o suficiente. Então, a partir de agora, deixo de ser carne e torno-me história na prosa de vocês!

- Você ficou louco, homem?? Nos chamou para ouvir essa sandice??? Pare de dizer asneiras!!! - gritava um homem da multidão que tinha trabalhado com ele e lutava para ser ouvido.

- ... me espalhem por ai! Contem aos outros como foi interessante a minha vida e como foi bonita a minha despedida! - continuou Paulo, fingindo que as críticas não eram diferentes do barulho dos carros que vinham da rua.

- Cala a boca! A gente vai é contar como você pirou, seu louco!! - bradou uma pessoa revoltada (porque morava longe e se deslocou até lá para ouvir aquele anúncio, pensando se tratar de uma festa).

Um princípio de tumulto se formou. Uma moça gritou aos prantos. Porém, muito mais de raiva do que por tristeza:

- É por minha causa?!?!? Você leva tudo muito a sério!! Saiba que neste mundo não existe chantagem pior que a promessa de suicídio!!!

Ele permaneceu plácido e sorridente. A maioria dos protestos era ignorada por ele, mas esse lhe chamou a atenção.

- Lídia! Como vai? Não vi você aí! Então,... voltando a sua pergunta: não. Não é por sua causa. E também não vou me suicidar.

Uma outra pessoa da multidão gritou antes que a moça pudesse fazer outro protesto:

- Você tem alguma doença terminal? Sente dores que os médicos não conseguem amenizar?

- Não, estou em excelente saúde! E obrigado por perguntar! - respondeu Paulo sorridente.

- Tem alguma dívida que não pode honrar? Está falido? Desempregado? Quer ajudar alguém da família com o seguro? - tornou a perguntar o mesmo homem, sem dar chances para Lídia fazer outra pergunta.

- Não, não sofro de nenhuma dessas coisas tristes. Meu único mal é o tédio. Mas um tédio feliz de quem já viveu tudo, já experimentou de tudo. Agora, experimentarei o maior de todos os enigmas! E isso me excita muito!! Na verdade, mal posso esperar!

As perguntas e os protestos ferviam e todas ao mesmo tempo. Paulo então pediu desculpas. Desejou que todos aproveitassem a festa e deixou o microfone. Nem por isso o alvoroço parou.

Lídia ainda guardava um tremendo rancor da resposta que recebera. Eles tiveram um quase-romance tumultuado que durou pouco, mas que foi tórrido. Se já era duro ouvir um anúncio bizarro como foi aquele, mais difícil era engolir aquela resposta obtusa. Ela sentiu uma gota de ciúmes e até se sentiu cruel ao perceber que seu ressentimento vinha do fato de que ela não era o motivo da renúncia de sua vida.

Ela também ficou muito perturbada por não ter podido fazer uma tréplica à resposta. Sentia que não tinha desabafado. Queria ter jogado um monte de verdades na cara dele! Por isso, decidiu segui-lo para tirar aquela história a limpo.

O acesso foi difícil e atrasou bastante sua aproximação. As pessoas se apilhavam e se acotovelavam. Menos da metade delas não acreditava no anúncio que ouviram, então interceptavam o anfitrião para fazer piadas, dando-lhe tapinhas nas costas dizendo "belo discurso!". Mesmo assim, ele era muito habilidoso em se desviar delas sem que elas ficassem magoadas. Ele vinha driblando-as à passos largos, como se estivesse atrasado. E Lídia ia atrás. Não queria que ele notasse que o seguia. E não queria que vissem que ela o fazia, porque estava com a maquiagem borrada de lágrimas e não queria que ninguém notasse que tinha chorado.

A certa altura a multidão ficava para trás. Paulo entrara em um camarim. Lídia enxugou as lágrimas antes de abrir a porta. Tentou se acalmar e a abriu devagar, mas se conteve no meio do caminho quando viu uma cena espectral e se escondeu na fresta da porta que ainda não tinha aberto por completa observando, estarrecida, o bizarro:

Na parede oposta, ao lado da cômoda, estava Paulo, se despindo da própria pele. Estava em carne viva, removendo a pele da chocha esquerda, com um instrumento de alvenaria. Já tinha muitas partes do corpo faltando. E parecia muito feliz enquanto o fazia...

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